O programa ontem apresentado pelo PS facilita os despedimentos, abraça a outrora criticada TSU e dá um tiro de canhão na sustentabilidade da Segurança Social
Já sabíamos que a social-democracia europeia era uma corrente política em coma profundo – ou que já morreu e ninguém nos avisou. Através do chamado “consenso europeu” tem acumulado derrotas sobre derrotas político-ideológicas. Ontem, foi a vez do PS português nos mostrar a sua versão particular desta derrota: inventou uma liberalização de despedimentos, recuperou a Taxa Social Única e decidiu dar um pontapé na sustentabilidade da Segurança Social para as gerações futuras.
O nosso mundo torna-se absolutamente estranho quando uma deputada do CDS, Cecília Meireles, consegue ser mais “à esquerda” que um grupo de economistas que António Costa convidou para fazer o pré-programa de governo. Disse Cecília Meireles, lembrando que o CDS sempre defendeu um regime opcional sobre os descontos para a Segurança Social: “O PS vem agora propor um sistema obrigatório, a partir de determinado montante não são pagas contribuições e as pensões sofrem o respetivo corte”. Para o CDS, isto é um “ataque à sustentabilidade da Segurança Social”. Para o PS, partido que se arvora em defensor do Estado social, pelos vistos não.
António Costa e os seus economistas embrulham a ideia com a cenoura de, ao aumentar o rendimento disponível do trabalhador, aumentar a procura interna e, logo, o emprego, gerando mais contribuições para a Segurança Social. Mas a decisão de reduzir a TSU para empresários e trabalhadores constitui uma vitória da doutrina Passos no pré-programa de governo do PS e, no fundo, a vitória da doutrina da desvalorização interna comungada pela Europa e pelo actual governo. Se isto não é uma vitória do pensamento do actual governo inscrita no cenário futuro de governação PS, não sabemos o que é uma vitória do pensamento de direita.
Passemos ao lado do optimismo macroeconómico que sobrevoa o texto (para conseguir 7,4% de desemprego em 2019 era preciso uma revolução na Europa) e analisemos agora a outra medida emblemática que tem um nome docinho: o “novo regime conciliatório”. No “novo regime conciliatório”, “as empresas podem iniciar um procedimento conciliatório, em condições equiparadas às do despedimento colectivo, englobando todos os motivos de razão económica (de mercado, estruturais e tecnológicas) que tenham posto em causa a sobrevivência do emprego”. Ou seja, o despedimento colectivo generaliza-se e o PS, em troca, promete penalizar as empresas que utilizam contratos a prazo. Isto chama-se liberalizar o mercado de trabalho e se fosse uma coisa tão boa assim, o PS não deixava aqueles que foram contratados durante o regime anterior, o da malfadada troika e de Passos Coelho, de ficarem livres do novo “regime conciliatório”. Ainda bem que Costa disse que o papel que ontem apresentou não é uma Bíblia – talvez esteja a tempo de mudar qualquer coisa e apresentar um programa de governo que se distinga substancialmente da direita. Se for possível.
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