Quo vadis, Europa?
O eixo Paris-Berlim já percebeu que esta crise tem de ser aproveitada para completar o projecto de MaastrichtA última etapa das negociações entre o governo grego e a troika deve ter eliminado as dúvidas dos europeístas que ainda mantêm os pés na terra. A insistência na austeridade, acompanhada de “reformas estruturais” que degradam o estado de bem-estar e impedem a saída da crise, tornou evidente que as “instituições internacionais” têm uma agenda política. Trata--se de formatar as sociedades europeias, de alto a baixo, pelos princípios de um neoliberalismo fanático, o ordoliberalismo inscrito nos tratados da UE.
O eixo Paris-Berlim já percebeu que esta crise tem de ser aproveitada para completar o projecto de Maastricht. A eleição do Syriza na Grécia e os resultados eleitorais do Podemos em Espanha, ambos à esquerda, aliados ao crescimento eleitoral da Frente Nacional em França e à entrada no governo de alguns países do Norte da Europa de partidos da direita críticos da zona euro, a que se juntou a eleição de um presidente eurocéptico na Polónia, constituem sinais claros de que o projecto europeu corre sérios riscos. Bruxelas está com medo do futuro.
Neste contexto, foi agora publicado um relatório dos cinco presidentes da UE, “Completing Europe’s Economic and Monetary Union”. Este propõe um aprofundamento da UEM visando responder ao risco de colapso do euro, que, agravado por uma possível saída do Reino Unido da UE, poria termo à aventura da construção dos Estados Unidos da Europa por pequenos passos. O documento é muito interessante e deve ser lido com atenção. Limito-me hoje a destacar o seu quadro conceptual porque ele permite perceber melhor por que razão as reivindicações do governo grego não podem ter acolhimento na UE.
O relatório mostra-nos como o quadro mental dos dirigentes, e da tecnoestrutura da UE, interage com a realidade social através dos óculos do neoliberalismo na sua versão alemã. Nele se diz que “o euro é uma moeda bem sucedida e estável” (início da p. 4). Estável? Até parece que os bancos europeus não foram profundamente afectados, nem houve resgates de bancos com dinheiro público por causa da sua participação activa no jogo do casino global. Ao contrário do que diz o relatório, a crise europeia não foi um “choque externo”, “uma tempestade” que atingiu o euro. A Alemanha investiu no sistema financeiro mundial o dinheiro ganho com os seus enormes excedentes comerciais e dessa forma deu um importante contributo para a bolha do crédito que explodiu nos EUA e depois na periferia da zona euro. No entanto, para os 5 presidentes foi um “choque externo” que tivemos de “absorver”.
Publicado na semana em que a elite europeísta anda com o credo na boca, por medo de um Grexit, o relatório perde toda a credibilidade quando invoca o sucesso do euro. Aliás, como é possível falar de sucesso e ao mesmo tempo reconhecer que há 18 milhões de de- sempregados na zona euro? Será isto apenas uma contrariedade de que agora se vão ocupar? Falemos com clareza: o euro foi um desastre social, sobretudo para a periferia, e isso deveria envergonhar os nossos dirigentes políticos, não fora a sua ideologia que tudo justifica e os interesses dos poderosos que servem.
Quanto à política orçamental, continuará por muito tempo no nível nacional, sempre limitada à acumulação de excedentes nos anos bons para serem gastos nos anos maus. Está excluído um orçamento federal significativo, entendido como instrumento de promoção do pleno emprego, o que se compreende porque não há um estado democrático europeu que o legitime. Por isso reconhecem que na periferia serão precisos “anos de consolidação para recuperar”. O relatório aponta explicitamente o mercado de trabalho, via redução de salários, como o substituto da taxa de câmbio para corrigir excessos de endividamento externo e por isso defende que deve ser ainda mais flexível (“flexible economies that can react quickly to downturns”). Talvez sem salário mínimo, sem subsídio de desemprego e com pouco poder sindical, como no início do século passado.
Finalmente, um salto qualitativo com a atribuição de poderes supranacionais ao comissário responsável pela supervisão e repressão dos desequilíbrios macroeconómicos, aliás inevitáveis numa “economia social de mercado”. Enfim, não difere muito do plano que a Alemanha tinha preparado para gerir a Europa após a vitória rápida que esperava alcançar na Grande Guerra (Jean-Pierre Chevènement, 1914-2014, L’Europe Sortie de l’Histoire?).
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
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