16.07.2015
O programa de austeridade foi aprovado na Grécia por um parlamento em frangalhos com cocktails molotov a voar à porta. Pedro Santos Guerreiro analisa as possibilidades de sucesso da Grécia
Chegará o momento em que tiraremos as mãos das carteiras e as poremos na consciência. Chegará o momento em que já não veremos os ricos que roubaram mas os pobres que ficaram. Em que não quereremos ressarcimento mas reparação. Em que perceberemos que não se pede sequer solidariedade, mas piedade. Em que nem os sádicos se divertirão com o espetáculo degradante dos políticos gregos. A União Europeia foi longe de mais na violência estéril e vingativa. Para destruir o Syriza está a ceifar-se um povo. Já não é indignação, é súplica: SOS Grécia. E se tudo o resto falhar, apele-se à inteligência, que não é de esquerda nem de direita, pois é preciso mudar aquele plano que, além de horrível, é burro, é mau, é pior para todos.
Nos palácios de Bruxelas, nos sofás de Berlim ou mesmo nos bancos de jardim de Lisboa permanece apetecível distribuir culpas e medir ideologicamente o debate. Mas nas ruas de Atenas já passámos essa fase. Sobra o desespero de saber que nada vai valer a pena porque pagar ou não pagar parece indiferente, o tudo ou nada resultará sempre no pouco, no de menos, no insuficiente, porque o plano não funciona. Repito: a Grécia vai ter uma recessão pior do que a que os Estados Unidos viveram na Grande Depressão de 1929. Repito: o plano económico vai falhar porque foi concebido para falhar. Repito: desistimos dos gregos e resistimos a ver o desastre encomendado.
O bloco liderado pela Alemanha ficou tão furioso com o desplante do senhor Alexis Tsipras na marcação do referendo que quis devolver-lhe em dobro a lição de superioridade. Até se percebe a fúria, que segundo os relatos da reunião de domingo do Eurogrupo fez com que o senhor Wolfgang Schäuble berrasse. Alexis Tsipras foi arrogante, marcou um referendo pérfido e achou-se nimbado de invencibilidade com os resultados, como se fosse dar uma tareia moral aos demais Estados-membros. Mas a Alemanha quis tanto destruir o Syriza, por vingança e por dissuasão a que outros países elejam partidos radicais, que perdeu a noção da força. Mais um pacote recessivo vai destruir mais economia e mais emprego numa economia já exangue.
A vitória sobre Tsipras foi retumbante. Até o perdão da dívida, que o Syriza sempre reivindicou, é agora formalmente admitido pelo FMI, mas de forma a culpar o partido, que não mais tem nada para mostrar. É ridículo ouvir Alexis Tsipras dizer que assinou um acordo em que descrê. É degradante vê-lo tripudiar o próprio Syriza e ancorar-se nos deputados dos partidos que detesta e que o detestam a ele. É assustador ouvir a presidente do Parlamento (que pertence ao Syriza e se junta aos 40 deputados que se afastaram de Tsipras) falar em genocídio social. Mas a humilhação suprema talvez seja ver Tsipras dizer que não há alternativa. Tsipras, o temível mastim indomável, está amestrado como um caniche. Dá dó. A direita europeia rejubila. Também dá dó. Porque ninguém para, escuta e olha para perceber na loucura que estamos a patrocinar.
A loucura de ver um povo desesperado que, depois de cinco anos de austeridade duríssima, tem prometida nova dose de austeridade duríssima. A loucura de tornar o pagamento da dívida mais insustentável do que nunca, pela destruição económica provocada – se a Grécia sai do euro, os credores podem esquecer, vão receber raspas. A loucura de segregar dentro da União Europeia, cavando um fosso que nos vai apartar sabe-se lá até que lonjuras.
A Grécia só se livra desta sarna se, além do perdão de dívida que de qualquer forma terá, tiver um programa de estímulo económico. O mundo, aliás, só recuperou da Grande Depressão dessa maneira. Percebe-se a pulsão de obrigar o país a adotar as reformas estruturais nunca adotadas, incluindo a de ter um Estado que funcione e que cobre impostos. Mas não é destruindo o espaço político e aniquilando a economia que tal vai ser conseguido. A violência na Praça Syntagma é desenrolada por grupos anarcas ruidosos mas pouco representativos. A miséria que se alastra, não: é de todos.
É preciso mudar o plano. Somar à austeridade um programa de investimento que estimule a economia e que apoie casos sociais de pobreza. Isso é ser inteligente, até porque é a única forma de tentar recuperar parte da dívida. Talvez a linha dura dos alemães queira apenas humilhar o Syriza e tenha feito um plano para que, depois da capitulação de Tsipras, mude o plano para melhor. Até seria bom que isso fosse verdade. Seria maquiavélico mas, ao menos, saberíamos que a loucura iria mudar. E que, portanto, a Grécia haveria de ter uma saída da crise em vez de uma saída do euro. Para já, o que vemos é o que temos, um país inteiro a afundar-se na desgraça.
Os gregos estão desesperados porque a situação é desesperante. Coloquemo-nos no lugar deles por um minuto: um governo de extrema-esquerda ajoelhado depois de cinco anos de tareia, de desemprego e de austeridade, depois de décadas de corrupção e roubo institucionalizado com os governos de centro. E o que lhes dizem que se segue? Pobreza. Talvez a esta hora também estivéssemos na rua.
Nos palácios de Bruxelas, nos sofás de Berlim ou mesmo nos bancos de jardim de Lisboa permanece apetecível distribuir culpas e medir ideologicamente o debate. Mas nas ruas de Atenas já passámos essa fase. Sobra o desespero de saber que nada vai valer a pena porque pagar ou não pagar parece indiferente, o tudo ou nada resultará sempre no pouco, no de menos, no insuficiente, porque o plano não funciona. Repito: a Grécia vai ter uma recessão pior do que a que os Estados Unidos viveram na Grande Depressão de 1929. Repito: o plano económico vai falhar porque foi concebido para falhar. Repito: desistimos dos gregos e resistimos a ver o desastre encomendado.
O bloco liderado pela Alemanha ficou tão furioso com o desplante do senhor Alexis Tsipras na marcação do referendo que quis devolver-lhe em dobro a lição de superioridade. Até se percebe a fúria, que segundo os relatos da reunião de domingo do Eurogrupo fez com que o senhor Wolfgang Schäuble berrasse. Alexis Tsipras foi arrogante, marcou um referendo pérfido e achou-se nimbado de invencibilidade com os resultados, como se fosse dar uma tareia moral aos demais Estados-membros. Mas a Alemanha quis tanto destruir o Syriza, por vingança e por dissuasão a que outros países elejam partidos radicais, que perdeu a noção da força. Mais um pacote recessivo vai destruir mais economia e mais emprego numa economia já exangue.
A vitória sobre Tsipras foi retumbante. Até o perdão da dívida, que o Syriza sempre reivindicou, é agora formalmente admitido pelo FMI, mas de forma a culpar o partido, que não mais tem nada para mostrar. É ridículo ouvir Alexis Tsipras dizer que assinou um acordo em que descrê. É degradante vê-lo tripudiar o próprio Syriza e ancorar-se nos deputados dos partidos que detesta e que o detestam a ele. É assustador ouvir a presidente do Parlamento (que pertence ao Syriza e se junta aos 40 deputados que se afastaram de Tsipras) falar em genocídio social. Mas a humilhação suprema talvez seja ver Tsipras dizer que não há alternativa. Tsipras, o temível mastim indomável, está amestrado como um caniche. Dá dó. A direita europeia rejubila. Também dá dó. Porque ninguém para, escuta e olha para perceber na loucura que estamos a patrocinar.
A loucura de ver um povo desesperado que, depois de cinco anos de austeridade duríssima, tem prometida nova dose de austeridade duríssima. A loucura de tornar o pagamento da dívida mais insustentável do que nunca, pela destruição económica provocada – se a Grécia sai do euro, os credores podem esquecer, vão receber raspas. A loucura de segregar dentro da União Europeia, cavando um fosso que nos vai apartar sabe-se lá até que lonjuras.
A Grécia só se livra desta sarna se, além do perdão de dívida que de qualquer forma terá, tiver um programa de estímulo económico. O mundo, aliás, só recuperou da Grande Depressão dessa maneira. Percebe-se a pulsão de obrigar o país a adotar as reformas estruturais nunca adotadas, incluindo a de ter um Estado que funcione e que cobre impostos. Mas não é destruindo o espaço político e aniquilando a economia que tal vai ser conseguido. A violência na Praça Syntagma é desenrolada por grupos anarcas ruidosos mas pouco representativos. A miséria que se alastra, não: é de todos.
É preciso mudar o plano. Somar à austeridade um programa de investimento que estimule a economia e que apoie casos sociais de pobreza. Isso é ser inteligente, até porque é a única forma de tentar recuperar parte da dívida. Talvez a linha dura dos alemães queira apenas humilhar o Syriza e tenha feito um plano para que, depois da capitulação de Tsipras, mude o plano para melhor. Até seria bom que isso fosse verdade. Seria maquiavélico mas, ao menos, saberíamos que a loucura iria mudar. E que, portanto, a Grécia haveria de ter uma saída da crise em vez de uma saída do euro. Para já, o que vemos é o que temos, um país inteiro a afundar-se na desgraça.
Os gregos estão desesperados porque a situação é desesperante. Coloquemo-nos no lugar deles por um minuto: um governo de extrema-esquerda ajoelhado depois de cinco anos de tareia, de desemprego e de austeridade, depois de décadas de corrupção e roubo institucionalizado com os governos de centro. E o que lhes dizem que se segue? Pobreza. Talvez a esta hora também estivéssemos na rua.
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