Neste momento há uma tentação de agradecer a sírios, afegãos, iraquianos, líbios, somalis, e tantos outros, por nos terem ajudado a perceber a União Europeia que temos. Pura e simplesmente não existe, a não ser para a grande negociata e bela vida em Bruxelas e arredores. Artigo de José Manuel Rosendo.
5 de Setembro, 2015 - 00:08h
Foto de José Manuel Rosendo, tirada em Gevgelija.
Sem saber o que fazer, a União Europeia está em crise profunda. É assim desde há muito tempo, mas conseguia disfarçar. E não é por falta de avisos e sinais que se deixa chegar a este ponto. Há muitos meses que os refugiados estão a chegar à Europa; há anos que os europeus andam a fazer asneira no local de origem da maioria dos refugiados que chegam às fronteiras europeias; há anos que a União Europeia não tem uma política externa comum; há anos que, sobretudo os países do Sul da Europa deixaram-se enredar em interesses de outros Estados europeus para os quais a vizinhança do Mediterrâneo é algo distante e fora da agenda. Por fim, uma coisa chamada Frontex (Agência europeia de gestão das fronteiras externas da União Europeia) mostrou toda a sua falência. Estamos a pagar a factura. O efeito boomerang nunca falha.
A resposta a esta crise mostra que esta tem sido a União Europeia errada e toda a gente tem encolhido os ombros, principalmente líderes políticos deslumbrados com as luzes da ribalta política, com a possibilidade de passear na Grand Place de Bruxelas e com um lugar à mesa nas grandes cimeiras, transformadas em passadeiras da vaidade, de onde não saem políticas nem ideias consistentes que façam deste continente esse lugar de paz, de verdadeira solidariedade, de desenvolvimento e de farol dos Direitos Humanos. Tem sido o vazio, onde a especulação financeira é o grande deus. Apenas isso.
Curiosamente, são pessoas, sim, pessoas, pessoas com problemas, que destapam o caldeirão dos desentendimentos e põem a nu a verdadeira natureza dos líderes europeus e a inconsistência das políticas europeias. É habitual vermos os líderes europeus enxofrados – muitas vezes apenas fazem de enxofrados para as respectivas opiniões públicas – com questões económicas e financeiras, mas desta vez estão em desacordo por causa de pessoas. O que os líderes europeus já deviam estar a fazer nesta altura era estar em campo com um discurso pedagógico para que nos vários países a opinião pública percebesse que todos temos o dever de auxiliar.
Torna-se óbvio que esta Europa não sabe lidar com problemas das pessoas. Estes líderes apenas estão habituados a relatórios e power points que tratam de problemas financeiros e económicos, sempre assessorados por grandes gabinetes da consultadoria e ouvindo sempre os impérios da banca. Os problemas reais das pessoas são algo de estranho para eles, mas desta vez têm pessoas a bater à porta e nenhum deles arrisca apontar o caminho de regresso ao mar a todos aqueles que já entraram na Europa.
É triste ouvir o líder do PS dizer que os refugiados podem vir limpar florestas “porque está habituada a trabalho agrícola”. António Costa está mal-informado: grande parte dos refugiados que estão a chegar à Europa vindos da Síria e do Iraque são classe média, muitos com formação universitária e não estão nada habituados a trabalhar na agricultura. É triste ouvir o Governo português mostrar abertura a acolher mais refugiados, mas como sempre, apenas depois de a Alemanha dizer o mesmo. Ainda é mais triste ouvir o Primeiro-Ministro húngaro dizer que os refugiados põem em risco a cristandade na Europa e ao mesmo tempo admitir que, depois de construir um muro na fronteira com a Sérvia, pode agora construir um muro na fronteira com a Croácia. Continua a ser triste e preocupante saber que a Hungria e a Bulgária perguntaram a Israel como se constroem os muros nas fronteiras (a agência Reuters deu a notícia), algo em que Israel tem muita prática. A Hungria esqueceu rapidamente o Muro de Berlim e a cortina de ferro.
É difícil saber qual é a resposta adequada a esta chegada de milhares de refugiados? É verdade! Mas para já a questão é humanitária. É preciso ajudar quem apenas procura sobreviver. Ter uma visão utilitarista, tentando antever o que a Europa pode ganhar com a chegada destes refugiados é algo de cínico, mesmo que sirva de argumento para ajudar a convencer a opinião pública europeia. Um refugiado deve ser ajudado porque está em fuga e fragilizado. Apenas isso. É o dever de auxílio a quem está nestas condições.
Neste momento há uma tentação de agradecer a sírios, afegãos, iraquianos, líbios, somalis, e tantos outros, por nos terem ajudado a perceber a União Europeia que temos. Pura e simplesmente não existe, a não ser para a grande negociata e bela vida em Bruxelas e arredores. Não é possível dizer quando nem como, mas esta União Europeia vai ruir qual castelo de cartas. Pelo menos aproxima-se a passos largos do abismo.
Pinhal Novo, 4 de Setembro de 2015
A resposta a esta crise mostra que esta tem sido a União Europeia errada e toda a gente tem encolhido os ombros, principalmente líderes políticos deslumbrados com as luzes da ribalta política, com a possibilidade de passear na Grand Place de Bruxelas e com um lugar à mesa nas grandes cimeiras, transformadas em passadeiras da vaidade, de onde não saem políticas nem ideias consistentes que façam deste continente esse lugar de paz, de verdadeira solidariedade, de desenvolvimento e de farol dos Direitos Humanos. Tem sido o vazio, onde a especulação financeira é o grande deus. Apenas isso.
Curiosamente, são pessoas, sim, pessoas, pessoas com problemas, que destapam o caldeirão dos desentendimentos e põem a nu a verdadeira natureza dos líderes europeus e a inconsistência das políticas europeias. É habitual vermos os líderes europeus enxofrados – muitas vezes apenas fazem de enxofrados para as respectivas opiniões públicas – com questões económicas e financeiras, mas desta vez estão em desacordo por causa de pessoas. O que os líderes europeus já deviam estar a fazer nesta altura era estar em campo com um discurso pedagógico para que nos vários países a opinião pública percebesse que todos temos o dever de auxiliar.
Torna-se óbvio que esta Europa não sabe lidar com problemas das pessoas. Estes líderes apenas estão habituados a relatórios e power points que tratam de problemas financeiros e económicos, sempre assessorados por grandes gabinetes da consultadoria e ouvindo sempre os impérios da banca. Os problemas reais das pessoas são algo de estranho para eles, mas desta vez têm pessoas a bater à porta e nenhum deles arrisca apontar o caminho de regresso ao mar a todos aqueles que já entraram na Europa.
É triste ouvir o líder do PS dizer que os refugiados podem vir limpar florestas “porque está habituada a trabalho agrícola”. António Costa está mal-informado: grande parte dos refugiados que estão a chegar à Europa vindos da Síria e do Iraque são classe média, muitos com formação universitária e não estão nada habituados a trabalhar na agricultura. É triste ouvir o Governo português mostrar abertura a acolher mais refugiados, mas como sempre, apenas depois de a Alemanha dizer o mesmo. Ainda é mais triste ouvir o Primeiro-Ministro húngaro dizer que os refugiados põem em risco a cristandade na Europa e ao mesmo tempo admitir que, depois de construir um muro na fronteira com a Sérvia, pode agora construir um muro na fronteira com a Croácia. Continua a ser triste e preocupante saber que a Hungria e a Bulgária perguntaram a Israel como se constroem os muros nas fronteiras (a agência Reuters deu a notícia), algo em que Israel tem muita prática. A Hungria esqueceu rapidamente o Muro de Berlim e a cortina de ferro.
É difícil saber qual é a resposta adequada a esta chegada de milhares de refugiados? É verdade! Mas para já a questão é humanitária. É preciso ajudar quem apenas procura sobreviver. Ter uma visão utilitarista, tentando antever o que a Europa pode ganhar com a chegada destes refugiados é algo de cínico, mesmo que sirva de argumento para ajudar a convencer a opinião pública europeia. Um refugiado deve ser ajudado porque está em fuga e fragilizado. Apenas isso. É o dever de auxílio a quem está nestas condições.
Neste momento há uma tentação de agradecer a sírios, afegãos, iraquianos, líbios, somalis, e tantos outros, por nos terem ajudado a perceber a União Europeia que temos. Pura e simplesmente não existe, a não ser para a grande negociata e bela vida em Bruxelas e arredores. Não é possível dizer quando nem como, mas esta União Europeia vai ruir qual castelo de cartas. Pelo menos aproxima-se a passos largos do abismo.
Pinhal Novo, 4 de Setembro de 2015
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