Parece que o livro de Stiglitz mexeu com o conformismo dos media. Foi preciso esperar mais de três anos, desde o Prós e Contras de 15 Abril de 2013, para que novamente se tenha discutido o euro num programa de televisão. Esperemos que tenha chegado ao fim o tabu.
O Público também nos deu a conhecer a opinião de José Soares da Fonseca (JSF), professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, sobre o mesmo livro (A saída do euro: e se o divórcio amigável não for opção?). Dado que o artigo sistematiza vários argumentos para, discordando de Stiglitz, sustentar que Portugal não tem condições para sair do euro, contraponho aqui o meu ponto de vista sobre um dos mencionados custos da saída. Para não me alongar, guardo para mais tarde a discussão de outros argumentos do artigo.
Quando JSF aborda as limitações de uma política monetária soberana, diz o seguinte:
uma pequena economia aberta ao exterior tem muito pouca autonomia para levar a cabo uma política monetária independente. Isto porque, neste tipo de economia, o crescimento significativo da massa monetária leva facilmente ao aumento de importações de bens e serviços e à saída de capitais, das quais resultam subidas das taxas de juro que afectam negativamente o investimento. O desemprego gerado pela redução do investimento e de outra despesa privada interna, poderia então anular ou suplantar o emprego entretanto criado pelo aumento da despesa pública.Esta afirmação assenta num pressuposto: o país manteria a livre circulação de capitais. Ora os recentes casos da Islândia, Grécia e Chipre recordam-nos que, num contexto de grave crise financeira, é imperativo instituir um controlo dos movimentos de capitais. O que significa que, mesmo num cenário de “divórcio amigável”, o banco central do país terá de adoptar um sistema de controlo que trave a fuga do capital especulativo. Ou seja, adoptaria um novo instrumento de política que até o FMI já se viu obrigado a legitimar em certas circunstâncias.
Por conseguinte, a saída do euro não exigiria aumentos da taxa de juro para travar a fuga de capitais e, assim sendo, não afectaria negativamente o investimento e o emprego. Bem pelo contrário, fora do euro e controlando os movimentos de capital especulativo, e apenas estes, a política monetária pode fixar o nível da taxa de juro mais adequado às condições de uma economia estagnada e longe do pleno emprego. Dessa forma, é possível usar a política monetária para apoiar uma política orçamental expansionista.
Sabemos que há diferentes formas de exercer o controlo dos movimentos de capitais e que a sua eficácia não está garantida à partida. Há países que foram muito bem sucedidos, outros nem por isso. Daí que, tendo-se alcançado a desejável estabilidade financeira, convenha introduzir alguma flexibilização nos controles e passar a um regime de taxas de câmbio flexíveis. A transição terá de ser cautelosa e, acima de tudo, integrada numa estratégia de desenvolvimento do país que minimize as pressões do capital financeiro (ver aqui e aqui).
Deste modo, dispondo de uma taxa de câmbio ajustável à dinâmica comercial do país, no contexto de uma política cambial articulada com outras políticas, Portugal teria condições para evitar a recaída no gravíssimo endividamento externo em que a entrada na moeda única o lançou. Em síntese, o aumento do desemprego, como um custo da saída do euro, é um argumento que não tem fundamento.
Note-se que a impossibilidade da desvalorização cambial foi a principal causa do endividamento externo dos países da periferia da zona euro. Sem a restrição das reservas cambiais, e sem a supervisão de um banco central digno desse nome, o sistema bancário europeu financiou (e lucrou com) os défices externos destes países até ao dia em que, como em qualquer bolha especulativa, o pânico se instalou e os Estados socializaram as perdas dos seus bancos (ver aqui).
Hoje, ouvimos todos os dias os comissários europeus (e os seus megafones em Portugal) falar de “reformas estruturais” e “flexibilidade laboral” para obter ganhos de competitividade-preço que substituam a desvalorização cambial. Foi precisamente com esta política económica que os governos enfrentaram inicialmente a crise financeira de 1929 num regime de câmbios fixos e livre circulação do capital, como era o padrão-ouro. Os economistas têm a obrigação de saber que essa política acabou por converter uma grande crise financeira numa Grande Depressão. Por isso, quanto mais depressa a zona euro for desmantelada, mais depressa a Europa sairá da gravíssima crise em que mergulhou
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