1. Viriato Soromenho Marques teme que este seja o último verão da Zona Euro. O último verão antes de uma nova, perigosa e incerta geografia política europeia, cujas dores de parto não pouparão ninguém.
Mesmo para aqueles que não dispõem da informação e do poder de análise deste filósofo ecologista, torna-se cada vez mais claro que a gentinha que reina na política europeia, servida por troikas iluminadas, vai continuar a fingir que acredita nas receitas ideológicas de um capitalismo financeiro desenfreado, para o qual as pessoas são um aborrecimento. A pior das corrupções políticas é a difusão de um veneno como se fosse um remédio milagroso.
Já quase não se pergunta se determinadas obras, organismos e instituições valem ou não valem a pena, servem ou não os cidadãos. Estes deixaram de contar. Basta dizer quantos milhões se vão poupar em certos cortes e despedimentos. Nem é preciso mostrar, com clareza, as suas virtudes. Seja como for, o crescimento colossal dos desempregados não pode ser fruto de boa árvore. Nos paraísos fiscais, onde se alojam 17 biliões de euros ou o equivalente ao PNB dos EUA e do Japão, não há crise.
É dispensável dizer a quem não está contente com a situação de desempregado que emigre ou “que se lixe”. É preferível que os autores dessas receitas as vão experimentar.
Abundam os livros de grandes economistas que explicam como se poderia acabar com a pobreza, reformar as grandes instituições financeiras internacionais e, se houvesse discernimento e vontade política nas lideranças, diz-se que seria possível acabar já com uma crise que se arrasta há quatro anos. Estou a lembrar-me de professores e investigadores como Jeffrey Sachs, Joseph E.Stiglitz, Abhijit V. Baneerjee/ Esther Duflo, Paul Krugman, etc.. Se isto não acontece, seria interessante identificar os interesses que ganham com a crise e a consideram uma grande oportunidade de negócios. As indústrias envolvidas nos incêndios não podem ser as mais preocupadas em convencer os governos e particulares a investir nos cuidados da prevenção ao longo do ano.
2. Portugal faz parte de uma paisagem humana muito vasta. Aproximemos alguns números disponíveis referidos por Carlos Borrego (Brotéria 5/6 p. 449). Se o mundo tem agora 7 mil milhões de pessoas, em 2050 terá 9 mil milhões. Se a natalidade, mesmo em países como a Africa está diminuir, este aumento populacional será feito com idosos.
Neste momento, 1,4 mil milhões vive actualmente com cerca de 1 euro por dia ou menos; 1, 5 mil milhões de pessoas no mundo não tem acesso à electricidade e 2,5 mil milhões não tem tratamento de esgotos. Quase mil milhões passam fome.
Leornardo Boff, um famoso eco-teólogo, pergunta-se se não estaremos perante a crise terminal do nosso modo de viver. Diz que foram encontradas 25 formas diferentes para destruir a espécie humana. Como a humanidade e a terra estão interligadas de forma indivisível, tudo é afectado pelas mudanças climáticas. Estamos a chegar ao fim da matriz energética baseada em produtos fósseis – petróleo, gás e carvão – o que obriga a procurar fontes alternativas e limpas e, mesmo assim, serão insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização. A tragédia social não é menor. As três pessoas mais ricas do mundo possuem activos superiores a toda a riqueza dos 48 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza do que 3 biliões de pessoas, o que equivale a 45 por cento da humanidade. Resultado: 1, 2 biliões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria. Leonardo Boff, de quem recebo estes números, sem os ter ido verificar a outras fontes, acrescenta que, no Brasil, cerca de cinco mil famílias possuem 46 por cento da riqueza nacional.
3. Os números apresentados neste texto são conhecidos. Tornou-se, aliás, um lugar-comum dizer que, também em Portugal, cresce o abismo entre os poucos muito ricos e os muitos muito pobres. A Doutrina Social da Igreja, acerca do destino universal dos bens, é outro belo lugar-comum, do qual nada se espera.
A consciência ética começa quando chegamos à conclusão de que o mundo como está é uma vergonha, mas não é uma fatalidade. Jesus Cristo não deixou nenhuma receita automática para vencer este escândalo. Como se pode ler no Evangelho de S. Lucas, Jesus não alinhou nem com o regime de austeridade de João Baptista, nem com o estilo de vida do rico avarento. Gostava da vida, de comer e de beber, como toda a gente que tenha os sentidos bem apurados. Até lhe chamaram glutão e beberrão (Lc.7 e 16). Não suportava ver uns à mesa e outros à porta. Era a partir dos excluídos que encarava a transformação da sociedade.
Hoje, na Eucaristia, é lida uma narrativa da multiplicação dos pães e dos peixes. Já serviu para boas peças de humor. Tudo o que está escrito no Novo Testamento é para a nossa alegria.
Nos Evangelhos, os milagres não são reportagens. São parábolas. Faz-se uma coisa para dizer outra e para que os discípulos façam coisas ainda maiores. A aclamação e a meditação da leitura da multiplicação dos pães podem ter muitos efeitos: primeiro, não tem efeito nenhum; segundo, pode incomodar-nos, mas não muito; terceiro, pode abalar-nos. Quarto, pode tornar-nos militantes. Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.
Até Setembro.
Frei Bento Domingues, in Público
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