Um “euro bom” não é mais que a fantasia das esquerdas tradicionais na sua fase terminal
Não sabemos se o Syriza está preparado para enfrentar a tempestade que desencadeou quando, no primeiro dia do seu governo, reverteu algumas das "reformas estruturais" impostas à Grécia e pôs termo à intervenção da troika. Terá um plano B? Ao contrário do que pensa alguma esquerda, a questão central nesta dura negociação não é a reestruturação da dívida pública grega. Ao quarto dia do novo governo, logo se percebeu que o acordo sobre a dívida é viável através de um reescalonamento dos pagamentos que tenha em conta o crescimento da economia, portanto sem corte no montante em dívida, para salvar a face dos credores. Esta fórmula seria aplicável aos restantes países devedores, o que tornaria supérflua uma conferência europeia sobre a dívida das periferias da zona euro, a maior bandeira das esquerdas do "euro bom".
O núcleo central do confronto entre a Grécia e a Alemanha, apoiada por vários governos colaboracionistas (incluindo os de Portugal e Espanha), reside na política económica da troika, com que o governo do Syriza rompeu. É aí que a Alemanha não vai ceder e já o disse num documento apresentado aos ministros das Finanças da zona euro: a Grécia deve continuar sob controlo da troika, regressar às reformas estruturais, despedir 150 mil funcionários públicos, manter o programa de privatizações, gerar um excedente orçamental primário de 3% este ano e de 4,5% no próximo, etc. De facto, este é o núcleo central do Tratado de Lisboa e do Tratado Orçamental, a visão do ordoliberalismo para a Europa de que a Alemanha não pode prescindir porque tal significaria o seu suicídio político, interno e externo. Há demasiada ingenuidade nas esquerdas que pedem a Berlim mais lucidez, mais sangue-frio na sua atitude negocial. Não conseguem entender que o jogo político não obedece apenas a uma racionalidade contabilística de benefícios e custos; está também imbuído dos valores e crenças que são o núcleo (certamente evolutivo) da cultura de um Estado-nação. Por isso, ou o Syriza capitula no essencial, a política económica do novo governo, ou a Grécia será expulsa do euro via BCE. Um "euro bom" não é mais que a fantasia das esquerdas tradicionais na sua fase terminal.
O Bloco de Esquerda e a esquerda que quer fazer o PS virar à esquerda - qual bom escuteiro que quer ajudar a velhinha a atravessar a rua, apesar de não ser essa a sua vontade - não entendem que os tratados da UE estão formatados segundo os princípios do pensamento ordoliberal alemão e do constitucionalismo económico de Hayek. Isto significa que as regras de organização da economia da zona euro (o essencial da UE) estão blindadas contra as flutuações do ciclo político. Quaisquer que sejam as orientações ideológicas dos governos eleitos na UE, as normas reguladoras da economia e da política económica não podem mudar. A soberania dos estados-membros não está nem estará sujeita a uma soberania de nível superior (democracia federal), porque não há, e não é imaginável que venha a haver, um povo europeu. A soberania dos povos da UE está hoje sujeita à legalidade de um tratado que carece de legitimidade por ausência de um soberano que, senhor da última palavra, diga o que é justo ou injusto nas suas regras (ver Jacques Sapir, "Constitutions, souveraineté et Grèce"). Em suma, a UE é radicalmente antidemocrática e, mais do que nunca, isso hoje está à vista de todos. Uma estratégia de "mudança por dentro" é uma estratégia inviável, pela simples razão de que, se por mera hipótese a Alemanha fosse derrotada, isso significaria a imediata implosão da UE.
Se a minha leitura estiver certa, a celebração de um acordo entre a Grécia e a UE apenas suavizará a austeridade, não permitindo ao governo executar a política económica de que o povo grego está à espera. Em alternativa, o Syriza pode estar determinado a não ceder na política económica de que a Grécia precisa, mas então devia ter preparado o povo para uma expulsão da zona euro. No primeiro caso, estaríamos perante uma tragédia política. No segundo caso, perante a continuidade da velha forma de fazer política
O núcleo central do confronto entre a Grécia e a Alemanha, apoiada por vários governos colaboracionistas (incluindo os de Portugal e Espanha), reside na política económica da troika, com que o governo do Syriza rompeu. É aí que a Alemanha não vai ceder e já o disse num documento apresentado aos ministros das Finanças da zona euro: a Grécia deve continuar sob controlo da troika, regressar às reformas estruturais, despedir 150 mil funcionários públicos, manter o programa de privatizações, gerar um excedente orçamental primário de 3% este ano e de 4,5% no próximo, etc. De facto, este é o núcleo central do Tratado de Lisboa e do Tratado Orçamental, a visão do ordoliberalismo para a Europa de que a Alemanha não pode prescindir porque tal significaria o seu suicídio político, interno e externo. Há demasiada ingenuidade nas esquerdas que pedem a Berlim mais lucidez, mais sangue-frio na sua atitude negocial. Não conseguem entender que o jogo político não obedece apenas a uma racionalidade contabilística de benefícios e custos; está também imbuído dos valores e crenças que são o núcleo (certamente evolutivo) da cultura de um Estado-nação. Por isso, ou o Syriza capitula no essencial, a política económica do novo governo, ou a Grécia será expulsa do euro via BCE. Um "euro bom" não é mais que a fantasia das esquerdas tradicionais na sua fase terminal.
O Bloco de Esquerda e a esquerda que quer fazer o PS virar à esquerda - qual bom escuteiro que quer ajudar a velhinha a atravessar a rua, apesar de não ser essa a sua vontade - não entendem que os tratados da UE estão formatados segundo os princípios do pensamento ordoliberal alemão e do constitucionalismo económico de Hayek. Isto significa que as regras de organização da economia da zona euro (o essencial da UE) estão blindadas contra as flutuações do ciclo político. Quaisquer que sejam as orientações ideológicas dos governos eleitos na UE, as normas reguladoras da economia e da política económica não podem mudar. A soberania dos estados-membros não está nem estará sujeita a uma soberania de nível superior (democracia federal), porque não há, e não é imaginável que venha a haver, um povo europeu. A soberania dos povos da UE está hoje sujeita à legalidade de um tratado que carece de legitimidade por ausência de um soberano que, senhor da última palavra, diga o que é justo ou injusto nas suas regras (ver Jacques Sapir, "Constitutions, souveraineté et Grèce"). Em suma, a UE é radicalmente antidemocrática e, mais do que nunca, isso hoje está à vista de todos. Uma estratégia de "mudança por dentro" é uma estratégia inviável, pela simples razão de que, se por mera hipótese a Alemanha fosse derrotada, isso significaria a imediata implosão da UE.
Se a minha leitura estiver certa, a celebração de um acordo entre a Grécia e a UE apenas suavizará a austeridade, não permitindo ao governo executar a política económica de que o povo grego está à espera. Em alternativa, o Syriza pode estar determinado a não ceder na política económica de que a Grécia precisa, mas então devia ter preparado o povo para uma expulsão da zona euro. No primeiro caso, estaríamos perante uma tragédia política. No segundo caso, perante a continuidade da velha forma de fazer política
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