TERÇA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2017
É bom o que é bom para os mercados? Lições do Chile
“Um governo apoiado por Bloco de Esquerda e PCP é mau para o país, porque será mal acolhido pelos mercados”. Este foi o argumento usado até à exaustão pela direita antes da constituição da atual maioria parlamentar. Como sabemos hoje, o argumento era falso. A subida das taxas de juro e do custo de financiamento da economia portuguesa não se verificou. Os apoiantes do novo governo apressaram-se a inverter o raciocínio formulado pela direita: o governo não é mau porque foi bem acolhido pelos mercados. Embora compreensível no quadro das necessidades de ganho imediato no debate político (eu mesmo não me escusei de o usar), este posicionamento encerra ameaças lógicas que não podem ser ignoradas. Afinal, se os mercados tivessem reagido mal e as taxas de juro subido, este seria um mau governo?
Os economistas Daniele Girardi e Samuel Bowles acabam de publicar um estudo sobre a reação do mercado bolsista chileno à eleição de Allende e ao golpe militar de Pinochet. No primeiro dia de transações após a eleição de Allende (8 de setembro de 1970) os títulos perderam 22% do seu valor, que só viria a estabilizar no final desse mês, após perdidos 48,6 pontos percentuais do valor bolsista inicial. Em esclarecedor contraste, no primeiro dia de transações após o golpe militar de Pinochet (17 de setembro de 1973), a cotação bolsista cresceu quase 80 pontos percentuais – 67 pontos percentuais, se descontada a elevada inflação dos dias em que a bolsa esteve suspensa - a maior valorização diária realizada até hoje na bolsa de Santiago. Utilizando métodos estatísticos sofisticados, que não vale a pena aqui detalhar, os autores concluem aquela que é a primeira intuição ao olhar para os dados: as variações súbitas nos valores das ações foram causadas pela mudança de regime político, não se encontrando evidência de que outra explicação, como a variação dos índices bolsistas internacionais ou o preço de transação das mercadorias das empresas chilenas, possam estar na sua base.
A conclusão é, pois, tão crua como parece à primeira vista: os mercados reagiram mal a um governo democraticamente eleito com um programa sustentado no progresso económico e social da população e reagiram bem (muito bem) a um golpe militar de inspiração fascista, que matou e encarcerou os seus opositores, suprimindo todas as liberdades políticas.
Esta ilustração de um dos episódios internacionais mais negros para a história da democracia e da esquerda deve recordar-nos do óbvio: elevar os mercados a referencial político moral, com capacidade de discernir entre o que é bom e o que é mau, é um erro. Os mercados não são uma entidade abstrata que se rege pelas leis “naturais” do desenvolvimento económico. Por detrás do movimento dos mercados existem pessoas concretas, cujas visões e interesses podem não estar – e amiúde não estão – alinhados com os interesses do povo que elege democraticamente os seus representantes. No Chile era uma pequena classe proprietária que receava a redistribuição da riqueza e a nacionalização das suas empresas; em Portugal, são as instituições internacionais e os investidores privados que, após forçarem uma arquitetura institucional que forçou o endividamento público, se preocupam agora unicamente com a capacidade de pagamento do Estado português, não olhando ao interesse social e económico das populações.
Procurar ver na reação dos mercados um indicador de boa governação, comprando a retórica da direita, é tentador no imediato. O ministro Mário Centeno usa este instrumento de argumentação política na maioria das suas declarações. Mas os perigos que representa a prazo podem mais do que superar os ganhos presentes. Quando um governo de esquerda se vir confrontado com a escolha entre o progresso económico e social e o interesse dos mercados (e isso vai acontecer), uma decisão ao encontro do interesse das populações poderá provocar uma reação negativa dos mercados. Nesse momento, um governo que escrutinou o seu sucesso pela reação dos mercados estará politicamente manietado. A prazo, só a direita pode ganhar em elevar os mercados a referencial moral. A esquerda que sabe que a escolha entre o Estado Social e o interesse dos mercados é apenas uma questão de tempo não se pode esquecer disto. Andar à boleia da retórica da direita para atingir ganhos imediatos pode custar-nos muito caro no futuro.
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