quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Orçamento de estado 2018- ilusionismo ( postado do blog "Que Fazer")

Orçamento de Estado para 2018 - Ilusionismo



Um Orçamento de Escolhas

Os «Constrangimentos»

Acaba de ser aprovado o terceiro Orçamento de Estado da atual legislatura, obviamente com os votos do PS, do BE e do PCP. Como qualquer instrumento de política de classe – e, como é evidente, este governo não é nem poderia ser um governo dos trabalhadores - é um orçamento feito de opções de classe. E as escolhas são claras como água: optou-se por defender o interesse do grande capital e por continuar a sobrecarregar os explorados e os pequenos produtores, e, por benéficas que possam ser algumas melhorias pontuais, não deixam de ser pequenas migalhas em comparação com o que se garante ao capital.

O PCP lamenta que o governo imponha a si próprio metas de redução do défice que limitam «o alcance da reposição de direitos e rendimentos e o investimento público necessários. É um lamento vão e inútil porque o PS, como sempre é próprio da social-democracia desde a II Internacional, fez a sua escolha de classe em favor da grande burguesia e do imperialismo.

Os «constrangimentos» - a dívida, o euro, regras e política da UE - de que nos lamentamos e dos quais que não é possível libertar o país só por vontade deste ou daquele governo mais ou menos progressista, decorrem da existência do sistema imperialista - do europeu (UE) neste caso - e do papel que Portugal nele desempenha. E não é possível libertar Portugal do imperialismo e dos «constrangimentos» sem o libertar do capitalismo.

Portugal é um país dependente de todos os pontos de vista: económico, financeiro, militar, diplomático, cultural. A burguesia portuguesa depende do imperialismo, da burguesia poderosa e em particular do capital financeiro dos países poderosos para fazer os seus negócios. Não pode lutar contra ela, tem de se aliar a ela para continuar a subsistir, dado que, excetuando um ou dois casos, não tem dimensão para concorrer com ela em pé de igualdade.

À partida, portanto, o governo escolheu ficar do lado do imperialismo contra o interesse do povo.
Escolheu a continuação na UE o que só pode ser compatível com o cumprimento das suas regras e leis. Não se pode estar de acordo em pertencer à UE evitando os «constrangimentos», isto é, as suas imposições. Ninguém anda à chuva sem se molhar. Isto implica que quem rejeita os «constrangimentos» tem de exigir a saída da UE.

O governo escolheu o lado do euro, se quisermos admitir que é possível o aprofundamento da integração na UE sem uma moeda única. E muito mais do que isso, o governo milita incansavelmente em prol de uma UE que só pode ser a dos monopólios e a do domínio do eixo franco-alemão, por muito hipocritamente que arvore a bandeira dos valores sociais.

Escolheu continuar a pagar a «dívida» que, só em juros, leva anualmente para o bolso do capital financeiro cerca de 8 000 milhões de euros de juros, em vez de denunciar a sua ilegitimidade e os juros de rapina que têm por único objetivo sangrar as riquezas do país em favor da concentração de capitais nas mãos do capital financeiro internacional. Tendo em conta um superavit primário do orçamento, à custa de cortes, de cerca de 5 300 milhões de euros, isso significa que a dívida todos os anos aumenta pelo menos no montante de 2 000 milhões. A dívida externa situa-se já em cerca de 127% do PIB, quando, antes da intervenção da troika, se situava em cerca de 90%.

A prioridade dada ao cumprimento das diretivas da UE no sentido de conter o défice das contas públicas numa determinada (arbitrária) percentagem do PIB em detrimento das necessidades do povo não traduz nenhum problema psicológico do governo, uma «obsessão» como se diz. Corresponde à relação de forças políticas e económicas dentro das quais o nosso é um país dominado e às opções de classe de um governo que serve os interesses de quem ganha, ou pelo menos não perde, com essa situação.

As escolhas (de classe) de fundo foram feitas e não é com lamentos, nem lágrimas, nem com o convencimento do PS que podem ser alteradas. A social-democracia toma sempre o partido do capital, é o seu papel histórico desde a II Internacional. Essas escolhas determinam todo o resto: milhões para o capital, migalhas para os trabalhadores. A situação só se altera de raiz com a mudança da classe no poder.

Os Salários

Um cada vez maior número de assalariados sobrevive com o salário mínimo nacional. Os contratos a prazo tornaram-se regra nas novas (e não só) admissões. A precariedade, na medida em que estabelece uma relação de concorrência com os trabalhadores desempregados, é a mola real da diminuição dos salários.

O governo do PS fez a sua escolha: recusar o aumento do SMN para 600€ no início de 2018. Quase não vale a pena comentar que alguém consiga viver de forma minimamente aceitável com 580€ mensais ilíquidos.  

Claramente o governo fez um pacto com o patronato a respeito do SMN e da legislação laboral que são as questões mais importantes para os trabalhadores. 

Não se aprovam leis que liquidem a precaridade, as leis da caducidade dos contratos coletivos de trabalho e da reposição do princípio do tratamento mais favorável são tabus, quer dizer, compromissos com o patronato, que vigoram desde antes da assinatura da «posição conjunta». De resto, não é por acaso que essa matéria não tem tratamento na «posição». O PS já aí assumia a sua escolha em favor do patronato. Estas são as principais raízes, do ponto de vista político e do direito, do abaixamento geral dos salários.

Os salários na administração pública e no setor público e a progressão nas carreiras estiveram, e continuam a estar nalguns casos, congelados há 9 anos e, no setor privado, a situação não é diferente. O custo de vida, para além dos impostos decretados pelos governos do PS/Sócrates e do PSD/CDS e ainda muito longe de regressarem à situação anterior a 2009, tem vindo a aumentar o que significa uma redução do poder de compra e o aumento das dificuldades das famílias trabalhadoras. O que se impõe é um aumento geral de salários.


Impostos e Prestações Sociais

No Orçamento para 2018 os impostos sobre os rendimentos do trabalho (IRS) continuam a representar 28,2% do total da coleta. O IRC, sobre o capital, representa 13%. Quer isto dizer que são os trabalhadores, muito mais do que o capital, os sustentáculos das receitas do OE. O IVA, pago pelos consumidores, na sua esmagadora maioria os trabalhadores, representa 38,4% da receita total dos impostos. Enquanto o IRS está previsto baixar 4,2%, o IVA tem um aumento previsto de 11,8%,

O OE de 2018 criou dois novos escalões de IRS que é suposto virem a beneficiar as famílias de mais baixos rendimentos. Aguardemos para saber quando e como esta medida vai ser implementada. Mas a questão que se coloca, para além do ténue eventual desagravamento dos impostos diretos é precisamente os baixos rendimentos da esmagadora maioria das famílias trabalhadoras que claramente não se resolvem com esta medida, nem com a gratuitidade dos manuais escolares, por exemplo, apesar de ser obviamente uma medida positiva e justa. Na análise da CGTP-IN, no 1º semestre de 2017, as remunerações nominais por trabalhador têm sido negativas (-0,4% em termos homólogos). O que se impõe é o desagravamento fiscal e o aumento geral dos salários. 

O mesmo se pode dizer em relação às pensões de miséria de pouco mais de 200€ mensais ou dos pouco mais de 300€ mensais que um enorme número dos reformados portugueses recebe. Tenha-se em conta que os magros 10€ de aumento das pensões mais baixas significam um aumento de 0,33€ por dia. 

E o mesmo em relação à eliminação do corte de 10% no subsídio de desemprego, medida sinistra perpetrada pelo governo do PSD/CDS. A maioria dos desempregados portugueses «sobrevive» com subsídios a rondar os 400€ e menos. O previsto pagamento por inteiro dos subsídios de férias e de Natal não aumentam esses subsídios nem repõem o roubo a que foram sujeitos, já que os duodécimos foram consumidos nas despesas mensais para fazer face ao aumento do custo de vida.

O governo escolheu aumentar os impostos indiretos, que afetam a maioria dos consumidores que são quem trabalha e permitir o aumento dos preços de bens de primeira necessidade, como vai acontecer com o pão, o leite, os transportes, a eletricidade e o gás. Escolheu manter o IVA a 23% em bens e géneros de primeira necessidade.

O governo escolheu manter sem renegociação uma despesa de 1171 milhões de euros com as PPP só do setor rodoviário. Escolheu manter as rendas da EDP, recusando a proposta de acabar com a taxa alegadamente destinada a investimentos com energias renováveis. Escolheu manter a taxa do IRC pago pelas empresas: só em 2015, sobre um resultado líquido de 32 214 milhões de euros, elas pagaram 3 631 milhões de euros, isto é, uma taxa efetiva de 11,27%. Escolheu não taxar as transações em bolsa, o que geraria uma receita de 1,1 mil milhões de euros. Escolheu destinar 850 milhões de euros para o fundo de resolução da banca (privada). Escolheu manter o paraíso fiscal da Madeira.

 Os Serviços Públicos e os Trabalhadores da Administração Pública

As imposições da troika para a diminuição das despesas do Estado, isto é com os serviços públicos que o Estado está constitucionalmente obrigado a prestar, na sua grande parte, continuam a ser cumpridas. Não se vai contratar os milhares de enfermeiros, de médicos, de professores, de polícias, de auxiliares de ação médica, de auxiliares de ação educativa que são imprescindíveis ao bom funcionamento destes serviços, para só falar nos casos mais gritantes. O governo mantém a regra de que, por cada três trabalhadores que saem, só dois podem entrar. Vamos continuar a assistir à degradação dos serviços públicos. Dos 661 429 trabalhadores em todas as administrações públicas, não contando as dezenas de milhares de precários, mais de 60 000 recebem o salário mínimo nacional, já para não falar daqueles que, trabalhando para entidades públicas são contratados por empresas privadas.

Obviamente que um aumento de 10 euros na pensão ou a subida do SMN são melhores que nada. A questão está em saber quem ganha política e economicamente no balanço final do processo de entendimento em curso.

No OE não se vislumbra a possibilidade de integração dos mais de 100 000 precários da administração pública. Do tão badalado concurso, pouco mais de 30 000 podem ser considerados para a efetivação. Os salários não vão ser aumentados, continuando na situação em que se encontram desde 2009. As promoções decorrentes da progressão nas carreiras, apesar de “descongeladas”, o governo só está na disposição de as remunerar em fatias de 25%, sendo as últimas em 2019. Mesmo estas promoções são condicionadas por despachos e limitações do SIADAP, calculando-se que cerca de 50% dos trabalhadores possam não vir a ser abrangidos. Em setores como os professores, os militares e as forças de segurança o governo quer fazer eclipsar também mais de 9 anos da carreira.

Os assistentes técnicos e operacionais, mais de 134 000 trabalhadores, vão ter aumentos médios mensais de 13€ na primeira promoção em janeiro, e de 13€ na segunda, apenas em setembro. Os mais de 43 000 polícias e pessoal da GNR terão aumentos mensais entre 10 e 12€, ou seja 0,33€ e 0,40€ por dia.

A Propaganda e o Auto-Enaltecimento

É preciso que fique claro que estes “avanços” que a muito pouco se reduzem, mas que são envoltos em muito palavrório de auto-enaltecimento, estão muitíssimo longe de representar a reposição de tudo o que foi roubado aos trabalhadores e ao povo pela troika e pelos governos ao seu serviço no auge da grande crise capitalista iniciada em 2008 – a não esquecer: o governo PS/Sócrates e o governo PSD/CDS. A não ser assim, a não terem sido drenados para os bolsos do capital financeiro, representado pelo FMI e o BCE, milhares de milhões de euros dos bolsos dos trabalhadores e dos ativos nacionais como as grandes empresas que foram privatizadas no todo ou em parte e as contas públicas não estariam a caminho de estar equilibradas na ótica da UE dos monopólios.
Considerando tudo isto, BE e PCP acharam por bem aprovar este terceiro Orçamento da legislatura. Se dois e dois continuarem a ser quatro, aprovar significa estar de acordo. Em vez de denunciarem todas estas manobras políticas que consistem em manter a mesma situação no essencial, no meio da farta propaganda da “preocupação social” e da proteção dos mais desfavorecidos, decidem propagandear e enaltecer os mais do que insuficientes “avanços” da política do governo PS mais uma vez plasmada no OE para 2018.

Obviamente que um aumento de 10 euros na pensão ou a subida do SMN são melhores que nada. A questão está em saber quem ganha política e economicante no balanço final do processo de entendimento em curso.

BE e PCP parecem estar em competição para saber quem é que mais contribuiu com propostas para o Orçamento. A posição do BE nada espanta, porque é um partido social-democrata à procura de lugares no poder. Do PCP, porém, esperava-se mais do que a valorização das propostas e das bondades do Orçamento lá colocadas pela sua influência, assumindo um papel de valorização do OE que apenas ao PS competia e servindo de escudo do PS nos ataques do PSD e do CDS.

Esperava-se que mobilizasse os trabalhadores em formas de luta determinadas e firmes, sem ter medo de perturbar a «posição conjunta» ou a estabilidade do regime, para alcançar mais direitos, por exemplo, a revogação das normas gravosas da legislação do trabalho, e não se limitar a manifestações para «cumprir calendário». Esperava-se que o PCP chamasse à rua os reformados por aumentos gerais de pensões e a redução da idade de reforma. Esperava-se que não canalizasse a luta dos trabalhadores apenas para o voto no PCP e para a sua atividade parlamentar, porque no parlamento o PCP pouco pode sem a luta de massas. Não basta que o PCP peça ao povo que confie nele, é preciso chamar o povo à luta. Claro que não é indiferente o PCP ter mais ou menos deputados, mas isso depende do que fazem os deputados: se se limitam à luta parlamentar ou se aproveitam a luta parlamentar para potenciar a luta de massas por objetivos que não sejam apenas os “possíveis”.

Esperava-se que o PCP em vez de valorizar apenas as pequenas medidas chamasse a atenção, no concreto e não genericamente, para a dimensão dos problemas que ficam por resolver. Esperava-se que não dissesse apenas que «é preciso ir mais longe» e esclarecesse quais são as matérias a que se refere, até onde é necessário ir e como. Que sublinhasse sobretudo a distância que separa as justas reivindicações dos trabalhadores das pequenas medidas que vão sendo tomadas sem beliscar o poder e os lucros do capital. Esperava-se que o PCP explicasse aos trabalhadores que, enquanto houver capitalismo, qualquer conquista pode ser revertida. 

Esperava-se que denunciasse a “dívida” e a natureza imperialista da UE. Que denunciasse o papel da social-democracia representada pelo PS - agora e quando vier a ter maioria absoluta às custas da “geringonça” e do PCP.

De um partido de vanguarda espera-se que eduque as massas no espírito revolucionário, não na luta pelos objetivos «possíveis», sem, com esta afirmação, desvalorizar a importância da luta pela melhoria das condições de vida dentro do capitalismo.

Usa-se um argumento que parece de peso: a alternativa a esta situação seria um governo do PSD/CDS. No entanto, escamoteia-se a grande questão: com um governo minoritário destes dois partidos, as medidas gravosas só seriam implementadas se o PS o permitisse com o seu voto na Assembleia da República. Ver-se-ia então qual a face do PS.

 A Quem Serve a «Estabilidade»

Parece que a “estabilidade” se tornou um desígnio nacional e europeu. A “posição conjunta” foi assinada porque Cavaco ameaçava não empossar um governo minoritário do PS em nome da estabilidade. Fez-se o que Cavaco queria. Marcelo endeusa a estabilidade e ameaça com os castigos do inferno quem ousar quebrá-la. O capital pede estabilidade por amor de Deus, depois de lhe ter passado o pânico inicial com a solução governativa encontrada e de ter visto que, no fim de contas, as coisas não deixavam de lhe correr de feição. As lutas dos trabalhadores da Administração Pública e da Autoeuropa que agitam as águas paradas são apontadas como uma irresponsabilidade e prejudiciais ao país.

Entretanto, os trabalhadores continuam estavelmente com os baixos salários, com as pensões de miséria, com a precariedade, com o desemprego, com a pobreza, com os serviços públicos em degradação. Os bancos, a EDP, a GALP, a REN, as PPP continuam estavelmente a aumentar os seus lucros.  

Apesar de afirmar a sua total independência, o PCP, pela boca do seu secretário-geral, garante que apoiará o governo até ao fim da legislatura, sem se saber o que acontece até lá, não estando livre para rechaçar a chantagem de, eleitoralmente, poder vir a pagar caro quem abandonar o barco. O PS aproveita para endurecer as suas posições de classe, fazendo finca-pé na continuação de garantir ao capital a estabilidade crescimento dos seus lucros, concedendo umas migalhas aos trabalhadores. 

A solução governativa portuguesa, por causa da sua estabilidade, é a coqueluche de toda a Europa ao ponto de Mário Centeno ter sido eleito presidente do Eurogrupo com o apoio do PPE e do Partido Socialista Europeu, de Merkl, Macron e de Tsipras. O presidente do PSOE diz que Portugal é um exemplo para Espanha, Tsipras diz desejar para a Grécia uma solução igual à portuguesa. A social-democracia derrotada nas urnas depois de ter sido o instrumento da aplicação da austeridade na crise de 2008 começa a levantar cabeça e a dizer que afinal havia outra... política diferente da dos «neo-liberais» : defender o capitalismo respeitando os “valores sociais da Europa”. Em nome da «estabilidade», o SPD e a CDU alemães lançam-se nos braços um do outro.

Passados o pânico da crise iniciada em 2008 e a barafunda política provocada pelo FMI, o BCE e as outras instituições europeias nos países mais fragilizados da UE (Grécia, Itália, Portugal), garantidos os juros dos empréstimos e o pagamento das «dívidas», o capital, que precisa da «estabilidade» (que não haja luta dos trabalhadores) para se recompor, chega novamente à conclusão de que a social-democracia pode continuar a servir os seus interesses. A história parece vir a repetir-se.

Será que esta “estabilidade” serve os interesses dos trabalhadores?

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