segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Movimentos católicos espanhois e portugueses apoiam a greve geral, contrariando lógica do cardeal pratriarca

Confederação Europeia de Sindicatos (CES) convocou uma jornada de ação e solidariedade para 14 de novembro. Esta jornada adotará diversas formas: greves, manifestações, concentrações e outras ações. Perante esta realidade importante e histórica para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras dos nossos países e para quem sofre a chaga do desemprego, os movimentos operários cristãos de Espanha e Portugal louvam esta iniciativa e tornam pública a sua posição.
 
As taxas de pobreza e exclusão dos nossos países do sul da Europa estão a aumentar a um ritmo vertiginoso. Há um ataque profundo aos direitos sociais e à proteção das pessoas e famílias trabalhadoras, com a desculpa de dar prioridade à redução do défice e ao pagamento da dívida. Uma dívida que é ilegítima ao ter origem em empréstimos que foram concedidos e geridos de maneira duvidosa e que atentam contra a dignidade da vida dos cidadãos e põem em perigo a convivência pacífica entre os povos. A política europeia, que induziu medidas desastrosas em alguns dos estados membros, declarou como prioridade a salvação do sistema financeiro e dos bancos, em vez de resgatar as pessoas. A dívida pública está a converter-se num mecanismo de transição da riqueza dos pobres para os ricos. Por isso, cada vez há mais pessoas com empregos precários ou jovens que não encontram trabalho e com um futuro incerto. As consequências destas decisões afetam o conjunto da sociedade mas, principalmente, os setores mais débeis e empobrecidos do mundo do trabalho. Estas consequências conduzem ao empobrecimento generalizado, à perda de coesão social e dos horizontes de vida. Os grupos mais castigados são os imigrantes, os jovens, as mulheres, desempregados de longa duração...

Este ano, na Igreja celebramos “o Ano da fé”. Como parte dela, somos convidados a aprofundar a reflexão do Catecismo da Igreja, onde lemos: “A regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social, «pois há muitas necessidades humanas que não podem ser atendidas pelo mercado». É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas económicas, de acordo com uma justa hierarquia de valores e com vista ao bem comum.” (CIC, 2425)

Nós, que integramos estes movimentos, entendemos que quem deve promover esta regulação razoável do mercado são os governos. Mas na situação atual, os nossos governos são súbditos da situação financeira e a única saída que nos oferecem são políticas de cortes, que diminuem claramente os direitos dos trabalhadores no que respeita a situações anteriores. E constatamos que, em muitos anos das nossas democracias, os trabalhadores e os mais débeis são sempre os que mais perdem, mesmo nas negociações em concertação social.

A política que se está a desenvolver esqueceu o sentido da justiça e de um trabalho em defesa da fraternidade e do bem comum. Por isso, o primeiro passo para tentar inverter esta situação de conflito é o diálogo. Quando este não é possível a própria Igreja reconhece a legitimidade do recurso “à greve não violenta, quando se apresenta como instrumento necessário, com vista a um melhoramento proporcionado e tendo em conta o bem comum” (CIC, 517).

Precisamente por esta razão, entendemos que esta convocatória à greve geral e às manifestações em toda a Europa são justificadas. As políticas ao serviço das pessoas e das suas necessidades básicas deveriam ter prioridade máxima face aos interesses dos mercados e, enquanto não for assim, entendemos que existe legitimidade para agir em defesa dos direitos das pessoas e das famílias trabalhadoras. Por sua vez reivindicamos, como marco desta Jornada Europeia de ação e solidariedade, o papel da política e, em especial, dos sindicatos, que são a principal defesa organizada dos trabalhadores.

Uma das terríveis consequências, causadas por esta regressão social, é o aparecimento de um sentimento geral de medo. Um estado de medo e de incerteza que se foi instalando para condicionar as expetativas e os projetos pessoais e familiares das pessoas: o medo de perder o emprego, que faz aceitar todo o tipo de precariedade; o medo das retaliações por participar em ações de protesto; o medo, igualmente, por apoiar uma convocatória de greve…


Apelamos por isso aos políticos, sindicatos, empresários, entidades financeiras e aos demais intervenientes, que atuem com responsabilidade perante a gravidade da situação atual, que pode vir a piorar no caso de se esquecerem deste princípio básico de humanidade: “as necessidades dos pobres devem ter preferência sobre os desejos dos ricos; os direitos dos trabalhadores, sobre o aumento dos benefícios” (João Paulo II, Toronto 1984).

A terminar recordamos as palavras dos bispos, que participaram no recente Sínodo sobre a Nova Evangelização, celebrado em Outubro: “Ao mundo da economia e do trabalho queremos recordar como da luz do Evangelho surgem alguns apelos urgentes: libertar o trabalho das condições que, não poucas vezes, o transformam num peso insuportável com uma perspetiva incerta, ameaçada pelo desemprego, especialmente entre os jovens; pôr a pessoa humana no centro do desenvolvimento económico e pensar este mesmo desenvolvimento como uma ocasião de crescimento da humanidade na justiça e unidade.”


Madrid, Lisboa, Bruxelas

7 de novembro de 2012
 
 

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