As taxas de
pobreza e exclusão dos nossos países do sul da Europa estão a aumentar a um
ritmo vertiginoso. Há um ataque profundo aos direitos sociais e à proteção
das pessoas e famílias trabalhadoras, com a desculpa de dar
prioridade à redução do défice e ao pagamento da dívida. Uma dívida que é
ilegítima ao ter origem em empréstimos que foram concedidos e geridos de maneira
duvidosa e que atentam contra a dignidade da vida dos cidadãos e põem em perigo
a convivência pacífica entre os povos. A política europeia, que induziu medidas
desastrosas em alguns dos estados membros, declarou como prioridade a salvação
do sistema financeiro e dos bancos, em vez de resgatar as pessoas. A dívida
pública está a converter-se num mecanismo de transição da riqueza dos pobres
para os ricos. Por isso, cada vez há mais pessoas com empregos precários ou
jovens que não encontram trabalho e com um futuro incerto. As consequências
destas decisões afetam o conjunto da sociedade mas, principalmente, os setores
mais débeis e empobrecidos do mundo do trabalho. Estas consequências conduzem ao
empobrecimento generalizado, à perda de coesão social e dos horizontes de vida.
Os grupos mais castigados são os imigrantes, os jovens, as mulheres,
desempregados de longa duração...
Este ano,
na Igreja celebramos “o Ano da fé”. Como parte dela, somos convidados a
aprofundar a reflexão do Catecismo da Igreja, onde lemos: “A regulamentação
unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social, «pois há muitas
necessidades humanas que não podem ser atendidas pelo mercado». É preciso
preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas económicas,
de acordo com uma justa hierarquia de valores e com vista ao bem
comum.” (CIC, 2425)
Nós, que
integramos estes movimentos, entendemos que quem deve promover esta regulação
razoável do mercado são os governos. Mas na situação atual, os nossos governos
são súbditos da situação financeira e a única saída que nos oferecem são
políticas de cortes, que diminuem claramente os direitos dos trabalhadores no
que respeita a situações anteriores. E constatamos que, em muitos anos das
nossas democracias, os trabalhadores e os mais débeis são sempre os que mais
perdem, mesmo nas negociações em concertação social.
A política
que se está a desenvolver esqueceu o sentido da justiça e de um trabalho em
defesa da fraternidade e do bem comum. Por isso, o primeiro passo para
tentar inverter esta situação de conflito é o diálogo. Quando este não é
possível a própria Igreja reconhece a legitimidade do recurso “à greve não
violenta, quando se apresenta como instrumento necessário, com vista a um
melhoramento proporcionado e tendo em conta o bem comum” (CIC,
517).
Precisamente por esta razão, entendemos que esta
convocatória à greve geral e às manifestações em toda a Europa são justificadas.
As políticas ao serviço das pessoas e das suas necessidades básicas deveriam ter
prioridade máxima face aos interesses dos mercados e, enquanto não for assim,
entendemos que existe legitimidade para agir em defesa dos direitos das pessoas
e das famílias trabalhadoras. Por sua vez reivindicamos, como marco desta
Jornada Europeia de ação e solidariedade, o papel da política e, em especial,
dos sindicatos, que são a principal defesa organizada dos
trabalhadores.
Uma das
terríveis consequências, causadas por esta regressão social, é o aparecimento de
um sentimento geral de medo. Um estado de medo e de incerteza que se foi
instalando para condicionar as expetativas e os projetos pessoais e familiares
das pessoas: o medo de perder o emprego, que faz aceitar todo o tipo de
precariedade; o medo das retaliações por participar em ações de protesto; o
medo, igualmente, por apoiar uma convocatória de greve…
Apelamos
por isso aos políticos, sindicatos, empresários, entidades financeiras e aos
demais intervenientes, que atuem com responsabilidade perante a gravidade da
situação atual, que pode vir a piorar no caso de se esquecerem deste princípio
básico de humanidade: “as necessidades dos pobres devem ter preferência sobre
os desejos dos ricos; os direitos dos trabalhadores, sobre o aumento dos
benefícios” (João Paulo II, Toronto 1984).
A terminar
recordamos as palavras dos bispos, que participaram no recente Sínodo sobre a
Nova Evangelização, celebrado em Outubro: “Ao mundo da economia e do
trabalho queremos recordar como da luz do Evangelho surgem alguns apelos
urgentes: libertar o trabalho das condições que, não poucas vezes, o transformam
num peso insuportável com uma perspetiva incerta, ameaçada pelo desemprego,
especialmente entre os jovens; pôr a pessoa humana no centro do desenvolvimento
económico e pensar este mesmo desenvolvimento como uma ocasião de crescimento da
humanidade na justiça e unidade.”
Madrid, Lisboa, Bruxelas
7 de
novembro de 2012
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