Quarta-feira, 22 de Maio de 2013
RAÇA DOS VELHOS, PÁ...!
Ilustração Marco Joel Santos |
Lembro-me de que, quando era pequeno… Lembro-me pois! Quero lá saber que a malta não se lembre e mais não sei o quê? Eu lembro-me, porra. E não era grande espingarda, aquele tempo. A televisão só começava às seis da tarde com o clip dos Dire Straits “Money for Nothing” e meia hora de desenhos animados em que continuavam a dar-nos música, com o Flash Gordon e os Queen na sua pior fase... depois admiravam-se do Imperador Ming andar sempre mal humorado e de cortar a barba naquele formato de picareta. De que é que eu me lembrava? Ah, sim, lembro-me de ter lido um conto interessante.
Contava a historieta popular que um homem levou o seu pai, já velho e debilitado, para um passeio pela montanha. O velho sabia que não era nenhum passeio. O homem deu ao velho uma ração de pão velho para um dia, um pouco de água e desceu a montanha, sem olhar para trás. Era o costume daqueles lados, e o velho já não servia para nada senão consumir tempo à família e comer. Durante a noite, o homem lembrou-se de toda a sua infância, de toda a sua juventude, e de todo o cuidado dispensado por seu pai ao seu crescimento. Arrependeu-se de ter deixado o pai a morrer na montanha. Não estava certo. Logo de manhã, abalou montanha acima para ir buscar o pai. Fosse ou não costume, não se sentia bem com o que tinha feito. O velho tinha ficado no mesmo sítio, não tinha tocado na comida nem na bebida. Estava sentado, com a cabeça entre as mãos, via-se que tinha chorado. O homem não sabia se o seu pai tinha morrido de desgosto ou de frio, de fome ou de sede.
Segundo a lenda, isto passou-se “antes dos tempos”, ou seja, provavelmente antes da História escrita na península, provavelmente no tempo dos primeiros bárbaros ou dos lusitanos. Em tempos primitivos, em tempos de barbárie. Num tempo de selvajaria. No nosso tempo, muito dificilmente isto poderia acontecer. Mas só porque o pão está caro e água é privada. Porque o governo, esse, nem voltaria atrás. Cambada de selvagens…!
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