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A história de Elena, contada pelo “The New York Times”, circulou nos últimos dias nas redes sociais. A doente com um tumor avançado na mama, do tamanho de uma laranja, deixou o chefe do serviço de oncologia do Hospital Geral Sotiria, no centro de Atenas, perplexo. “Coisas como estas eram descritas nos manuais, mas nunca as víamos porque até agora, qualquer pessoa que adoecia neste país conseguia ajuda”, conta Kostas Syrigos.
Elena andou mais de um ano sem saber a quem recorrer até um médico a enviar para uma clínica social, com o peito envolto em guardanapos, para ser tratada por médicos voluntários e com remédios doados. Elena deu rosto à situação dramática que se vive no país: a machadada num sistema de saúde que nunca chegou a estar consolidado foi perceber-se o que significa regras como os desempregados há mais de um ano deixarem de ter acesso a cuidados de saúde gratuitos. Com 600 mil pessoas nesta situação, fatia que pode chegar aos 1,2 milhões nos próximos meses, um em cada dez gregos está em risco de ser abandonados por um sistema de saúde com a pretensão de ser universal e tendencialmente gratuito.
Ao i, Syrigos não foi menos duro nas palavras: “Estas pessoas simplesmente não existem para o serviço nacional de saúde. É uma situação muito má.”
Toda a arquitectura do sistema nacional de saúde grego é diferente da realidade portuguesa, mas os especialistas salientam que o colapso foi rápido e merece ser olhado com atenção. Uma situação como a de Elena seria verosímil em Portugal se, por exemplo, os beneficiários de subsistemas como a ADSE perdessem o direito a qualquer prestação de saúde após um ano no desemprego e não tivessem como alternativa o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que em Portugal protege ainda os mais pobres com isenções no pagamento das taxas moderadoras.
Em Portugal, depois da extinção dos serviços médicos das Caixas de Previdência e com a criação do SNS em 1979, mantiveram-se subsistemas subsidiados em parte pelo Estado e garante-se uma cobertura dupla: mesmo que a ADSE fosse à falência, os beneficiários continuariam a ter hospitais e centros de saúde onde recorrer. Na Grécia, a transição nunca foi concluída e o serviço nacional de saúde existe desde 1983 mas não é completamente financiado pelo orçamento do Estado: 48% são transferências de fundos da segurança social. Quem não desconta para a segurança social pode usar os serviços públicos, mas tem de pagar os custos praticamente na íntegra. Ainda assim, a Grécia investe na saúde 9,6% do PIB, acima da fatia de 6% com que Portugal sustentou este ano o sistema de saúde (em 2013 cai para 5,1%).
Deixou de chegar “Tentamos ajudar cobrindo os custos totais dos tratamentos com trabalho voluntário e remédios doados”, diz Kostas Syrigos, que colabora como voluntário na Metropolitan Social Clinic, uma rede de médicos fundada em Janeiro e onde Elena encontrou apoio. Mas a realidade é também conhecida de perto por Kanakis Nikitas, da secção grega da organização não-governamental Médicos do Mundo. “O que se passa na Grécia é muito simples: quem trabalha, desconta para a segurança social. Quem está desempregado, tem direito a segurança social durante um ano e depois não tem direito a nada. Sem segurança social e doente, se não tiver dinheiro e não encontrar ajuda, morre.” Não ter direito a nada significa pagar cinco euros por cada contacto com o sistema público, sem qualquer isenção. Mas isto é só o início, a taxa moderadora. As facturas atingem valores como 700 euros por um parto ou 3 mil a 4 mil por uma cirurgia oncológica se se recorrer aos hospitais públicos. A quimioterapia pode chegar aos 40 mil euros.
Além desta barreira no acesso, o apertar do cinto desde o primeiro resgate fez com que todo o sistema se degradasse. Charalampos Economou, investigador da Universidade Panteion, em Atenas, apresenta alguns indicadores: em alguns hospitais espera-se seis meses por uma cirurgia, por radioterapia três meses, o mesmo para a remoção de um tumor. O tempo de espera para fazer uma mamografia varia entre os três e os seis meses.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a Grécia chegou a ter o 14º melhor sistema de saúde do mundo. “Estamos a avançar para a mesma situação que os EUA viveram”, diz Syrigos. No ano 2000, quando a OMS avaliou o desempenho dos sistemas de saúde de 190 países, EUA apareciam longe na 37ª e Portugal na 12.ª.
O número de gregos que procuram a ajuda dos Médicos do Mundo aumentou quatro vezes nos últimos dois anos. “Este ano vamos atender 60 mil pessoas e há dois anos eram 30 mil, mas só 8% eram gregos”, conta Nikitas. Até aqui, este tipo de estruturas apoiava sobretudo imigrantes, sem a situação laboral regularizada e é aí que reside o problema: deixou de chegar. O desemprego disparou e os pedidos não param. É a combinação dos cortes orçamentais, descida nas comparticipações e o aumento do desemprego e nos impostos que torna a situação explosiva. E Nikitas salienta que não é por falta de alertas que se chegou ao ponto de catástrofe humanitária. “O governo diz que é a escolha da troika. O que é que eles dizem aí? São as mesmas pessoas, a mesma troika. Temos de cumprir se não não recebemos a próxima tranche. Não creio que seja muito diferente. Penso que não podem fazer nada, se não pode não haver dinheiro para a segurança social de todo.”
Para o médico, é hora de Bruxelas intervir mas também dos países mais pequenos enfrentarem o problema. “O que está a acontecer na Grécia vai acontecer-vos a vocês. Isto é certo. Somos os primeiros na fila. Mesmo que continuem e venha dinheiro para o desenvolvimento do país, não vai haver futuro. As pessoas não vão sobreviver.”
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