quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Cortes no transporte de doentes... vale a pena ler o texto de António Filipe

Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Cortes no transporte de doentes - Uma das faces mais desumanas da política deste Governo


Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A decisão tomada pelo Governo que assegura a regência do nosso país em nome da troika, de alterar as regras de financiamento do transportes de doentes em ambulâncias, está a ter consequências dramáticas e, se não for rapidamente alterada, ameaça assumir proporções de tragédia.
Uma recente reportagem da RTP que dá conta da situação de doentes oncológicos residentes em Alfandega da Fé, que não podem deslocar-se ao Porto e a Coimbra para os tratamentos de que depende a sua sobrevivência, porque as suas pensões não lhes permitem pagar 250 euros por cada deslocação, dão bem a ideia dos foros de desumanidade que a política deste Governo assume em matéria de acesso à saúde.
Mais recentemente ainda uma reportagem da TSF refere o caso de uma cidadã idosa de Odemira que recebe 250 euros de reforma e tem de pagar 200 euros pelo transporte em ambulância e recolhe testemunhos de bombeiros que deparam com o drama de muitos doentes que, para pagar a ambulância, não têm dinheiro para pagar os medicamentos de que precisam.
E casos destes repetem-se aos milhares pelo país fora.
As causas desta situação são conhecidas. O memorando da troika a que o PS, o PSD e o CDS aceitaram amarrar a governação do país, prevê uma redução de um terço dos gastos com transporte de doentes em ambulância. E se a troika manda, o Governo executa e o PS assobia para o lado.
O critério para a comparticipação do transporte de doentes em ambulância foi alterado. Só os doentes com prescrição médica do transporte em ambulância e que não tenham um rendimento superior ao IAS terão direito a transporte gratuito, e os centros de saúde receberam ordens para reduzir drasticamente a requisição de transporte de doentes. Dito e feito: as requisições de transportes de doentes foram drasticamente reduzidas.
Para além disso, a comparticipação do Estado aos bombeiros pelo custo das deslocações foi também reduzida e fica hoje muito abaixo do preço de custo, tornando os corpos de bombeiros em financiadores do Estado. O Estado paga aos bombeiros 48 cêntimos por quilómetro. Há vários anos que esta comparticipação permanece inalterada e entretanto o preço do gasóleo subiu mais de 20 %. Nas deslocações inferiores a 15 quilómetros o Estado paga uma taxa única de saída de 7,5 euros para um único doente. No caso dos demais, paga 1,5 euros. No caso das deslocações a hospitais em que haja demora no atendimento do doente, o Estado já não paga o retorno da ambulância, pagando apenas 2,90 euros por hora de retenção.
Tudo isto somado, a quebra de 30 % nos serviços de transporte requisitados aos bombeiros e as alterações aos critérios de pagamento decididas unilateralmente pelo Governo, fizeram com que as receitas dos corpos de bombeiros com o transporte de doentes tivessem uma quebra da ordem dos 70 %. Os bombeiros da Amadora e de Sintra viram-se mesmo obrigados a suspender o transporte de doentes não urgentes. Segundo dados da Liga dos Bombeiros Portugueses, até à data, terão sido já despedidos 400 trabalhadores adstritos ao transporte de doentes em ambulância.
Ou seja: o Governo instalou o caos a mando da troika. As receitas dos bombeiros com o transporte de doentes caíram a pique, devido à redução drástica dos pedidos e à escassez das comparticipações, pondo irremediavelmente em causa a prestação desse serviço e mesmo a própria viabilidade financeira das corporações. Os bombeiros aguentam muito, abnegadamente. Aguentam enormes sacrifícios para defender os seus semelhantes. Aguentam os maiores perigos para proteger pessoas e bens. Aguentam dificuldades financeiras resultantes do subfinanciamento crónico a que são sujeitos. Mas já não aguentam fazer tudo isso e ao mesmo tempo financiar o Estado.
O que hoje sucede é que muitos milhares de doentes deixaram de ser transportados aos hospitais e centros de saúde, para consultas e tratamentos indispensáveis à sua saúde ou mesmo à sua sobrevivência. As consequências humanas que daí decorrem são terríveis. Os danos causados às populações mais carenciadas são incalculáveis.
Os corpos de bombeiros estão a despedir o pessoal adstrito ao transporte de doentes e a ficar com as frotas imobilizadas, por falta de dinheiro, pondo decisivamente em causa a sua capacidade para acorrer a situações de emergência. Alguns corpos de bombeiros correm mesmo o risco de encerrar.
A questão com que o Governo tem de ser confrontado é esta: quanto custa ao país esta irresponsabilidade, em vidas humanas, em sofrimentos e tragédias pessoais e em dramas sociais?
Muitos dos bombeiros de Portugal, que através da Liga dos Bombeiros Portugueses foram agraciados por esta Assembleia, em 2008, com o prémio dos Direitos Humanos, são despedidos da sua nobre função e lançados no desemprego, porque o Governo não paga o transporte de doentes.
Os Bombeiros de Portugal, que prestam um serviço insubstituível e de valor inestimável ao nosso país, nas funções de socorro e protecção civil, nas situações de emergência e de catástrofe, no socorro a doentes e sinistrados, no combate a fogos urbanos e florestais; os Bombeiros de Portugal, que são das mais benévolas e reconhecidas instituições do nosso país, vêem o seu dispositivo ser desmantelado por falta de apoio do Estado, pondo em causa a capacidade de resposta do sistema nacional de operações de socorro. Se não houver bombeiros, quem acorre aos portugueses em situação de emergência? Quem acorre no auxílio às vítimas da sinistralidade rodoviária? Quem acorre às vítimas de inundações ou de incêndios? Não serão seguramente os senhores da troika, nem são certamente os governantes que executam cegamente as suas ordens.
A situação a que se está a chegar é insustentável. Os Bombeiros, através da respetiva Liga, têm vindo a alertar insistentemente para a gravidade da situação, perante a impassibilidade do Governo.
Para o Ministério da Saúde, preocupado em poupar dinheiro à custa da saúde dos portugueses, o problema dos bombeiros é com o MAI. Para o MAI, preocupado em poupar dinheiro à custa da segurança e da proteção dos portugueses, o Governo nada deve aos bombeiros e o problema da saúde é com o respetivo ministério. Para o Ministério das Finanças e para o Primeiro-Ministro, não há vida, nem saúde, nem segurança, para lá da troika.
O que o Governo hoje está a fazer, com as restrições ao financiamento do transporte de doentes, é a declarar guerra aos soldados da paz e a encarar os doentes como danos colaterais dessa guerra. O corte no financiamento do transporte de doentes, com todas as suas consequências, é uma das faces mais desumanas da política deste Governo. Não é só uma guerra contra os bombeiros. É uma guerra contra o direito mais elementar dos portugueses à saúde e à proteção em estado de necessidade. Mas entre o Governo, a troika e os Bombeiros, os portugueses sabem quem está do seu lado e ao lado de quem devem estar.
Disse.

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