Está a chover. Improvisa-se. A “praça” é o lugar natural desta candidatura, diz a mulher que a lidera, Ada Colau. Mas um centro cívico de um dos bairros menos privilegiados da cidade rica de Barcelona também não lhe fica mal. Há cadeiras, mas não são suficientes. Aparecem mais. Os voluntários pedem a quem está sentado que se aproxime do palco para que apareça espaço para mais filas. Certo. Quem não cabe encosta-se à parede ou fica mais ou menos à chuva no pequeno pátio interior do centro.
Há candidatos e há convidados. Vieram Ada Colau, cabeça de lista pela coligação Barcelona En Comú para o governo da capital catalã, Gerardo Pisarello, professor de Direito Constitucional e número dois da lista, e Esther López, que encabeça a candidatura no bairro de Poble Sec, parte do distrito de Sans-Montjuic, e onde nos encontramos.
Os convidados estão sentados na primeira filha: são técnicos de instalações e manutenção de empresas subcontratadas pela Movistar, a operadora que costumava chamar-se Telefónica. Estão em greve há 44 dias, uma greve nacional que lhes custou a decidir fazer, são precários e continuam a pagar segurança social sem receber um tostão. É uma greve que se nota quando alguém chama por um técnico para resolver um problema com a ligação de Net em casa, mas que tem estado completamente ausente das notícias.
Trazem os coletes de trabalho vestidos: nas costas lê-se Movistar e depois o nome da empresa subcontratada para que cada um trabalha – Confica, Abentes, quase uma diferente por técnico. Alguns colocaram a palavra “escravo” por baixo do nome da empresa.
No dia em que a candidatura Barcelona En Comú tinha um comício marcado para a Praça do Sortidor (abastecedor, fornecedor), os grevistas do Movistar foram os únicos a subir ao palco; os candidatos falaram encostados ao palco, à altura da assistência, e falou quem quis, aproximando-se e usando o mesmo microfone. Tal como acontecia nas assembleias semanais da Plataforma de Afectados pelas Hipotecas (PAH) de Barcelona, uma das primeiras do país, co-fundada por Ada Colau, que foi sua porta-voz durante cinco anos.
Aí, também faltavam cadeiras e no fim de cada encontro havia sempre alguém que pedia, a quem pudesse, que trouxesse cadeiras na semana seguinte. Aí, depois de falarem os membros da PAH, também havia uns momentos de silêncio até que alguém pedisse o microfone para partilhar a sua história, perguntar o que fazer, pedir ajuda. E, como nesta noite no centro cívico do Poble Sec, depois era difícil pôr fim ao encontro. Havia sempre quem se deixasse ficar, mais uma dúvida, mais um receio de quem estava ou julgava estar prestes a ficar sem casa.
Cidade rica e desigual“Estamos numa cidade rica, com um orçamento de milhares de milhões de euros, uma Barcelona que posa arranjada para o turismo de luxo, mas onde a diferença entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres aumentou 40% nos últimos quatro anos”, diz Ada Colau, calças de ganga, T-shirt branca, casaco de malha cinzento largo.
Nesta cidade, capital da “província com mais despejos em todo o Estado espanhol”, há pessoas “sem água e sem electricidade, precários como os companheiros das empresas subcontratadas da Movistar que fazem turnos de 12 horas e levam para casa pouco mais de 300 euros limpos, muita gente que trabalha e não chega ao fim do mês”, continua a candidata. “Os recursos existem, estão é mal divididos. E sabemos que há 4600 famílias que não têm o que comer.”
Os candidatos não se alargam em discursos, querem dar a voz a quem veio em greve, a quem veio a querer saber como é que eles pensam resolver os problemas que cada um mais sente no quotidiano.
“Disseram-nos que a greve era ilegal, que nos iam despedir a todos, ameaçaram-nos, garantiram que nunca mais íamos conseguir trabalho em nenhuma empresa ligada à Telefónica”, descreve Pablo, porta-voz dos grevistas. Depois, emocionando-se, explica que vai fazer passar uma “caixa de resistência”, para que quem possa contribua e ajuda grevistas sem fundo de greve a continuar a sua luta.
Perder a vergonha“Há dias muito difíceis, já passámos por muito, há companheiros que não têm nenhuma ajuda familiar. Já pedimos comida em supermercados, já fomos às universidades pedir um euro a cada estudante”, conta Pablo. “Mas também já perdemos a vergonha, sempre que alguém diz ‘o que estás a fazer é muito importante’, esse é um dia bom, que nos dá forças para aqueles em que nos apetece desistir.”
Quem veio ouvir Ada Colau emociona-se e há cada vez mais gente de dedo no ar, a querer falar. “Esperei 37 anos para ouvir um político dizer que há pessoas com fome e quero dizer-vos que há crianças com frio, eu vejo quando pedem para ficar perto do aquecimento porque chegam com frio de casa”, diz José, professor de uma escola primária. Agueda, de 40 anos, quer “partilhar a esperança, o ar bom que aqui se respira”, contando que chegou ao bairro no início do 15M e viu “como era possível sonhar e depois fazer acontecer”.