segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Hospitais dificultam acesso a medicamentos caros... benvindos às gorduras do estado!

Milene Salvador, de 33 anos, tem a doença dos pezinhos. Vive no Luxemburgo e desde o início do mês que está a tomar um medicamento inovador que trava a progressão e os sintomas deste problema genético.

Em Portugal, o sobrinho de 26 anos, não tem a mesma sorte. João (nome fictício) também herdou a doença, mas terá de fazer um transplante de fígado porque os hospitais portugueses não estão a importar o novo tratamento, que custa 130 mil euros por ano por doente.



Conseguir tratamento para doenças que exigem medicamentos caros, que são cedidos gratuitamente nas farmácias dos hospitais, «está a tornar-se mais difícil», denunciam as associações de doentes. «Há hospitais que estão a recusar ou a dificultar o acesso aos medicamentos dos doentes com artrite reumatóide, psoríase ou espondilite», alerta Arsisete Saraiva, presidente da Plataforma Mais Saúde.



Também para Milene, conseguir o medicamento no Luxemburgo, através do hospital de Kirchberg, «não foi fácil». A doença dos pezinhos é ainda desconhecida de muitos clínicos e foi ela quem, já sem conseguir trabalhar, pediu ao médico para ter acesso ao Tafamidis, o primeiro tratamento a conseguir bloquear a progressão da paramiloidose. O remédio foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento e aguarda luz verde da Comissão Europeia para entrar no mercado.



Mas os hospitais podem já encomenda-lo directamente ao laboratório, através de um pedido especial de importação. «Só que não o fazem por ser muito caro», denuncia o enfermeiro Carlos Figueiras, presidente da Associação Portuguesa de Paramiloidose, que na quarta-feira entregou no Parlamento uma petição com oito mil assinaturas exigindo o acesso ao remédio.



Caso contrário, para sobreviver os doentes têm de receber um novo fígado. Paula Dourado aguarda há sete meses uma resposta do Hospital de Santo António, no Porto, ao seu pedido de importação do medicamento. «Continuo à espera. Uma pessoa fica com vontade de emigrar», desabafa, lembrando que, se o tratamento não estiver disponível em breve, terá mesmo de seguir para transplante.



A médica Teresa Coelho – que na Unidade de Paramiloidose do Santo António trata a maioria destes doentes e conduziu o ensaio clínico onde o produto foi testado – reconhece que o preço do medicamento é um entrave à sua disponibilização. «Custa cerca de 130 mil euros por ano por doente. Eu tenho na unidade 100 doentes que têm indicação para o fazer. Estamos a falar de 13 milhões de euros por ano», explica, argumentando: «O hospital não pode assumir sozinho este encargo. Uma decisão passará sempre pelo Ministério da Saúde».



O tratamento – 100% eficaz em 60% dos casos – é uma revolução para quem tem a doença. «Para o doente a diferença é tomar uma capsula diária em vez de fazer um transplante. Mas neste momento está tudo em aberto: o medicamento deve ser aprovado pela Comissão Europeia na próxima semana e terá de chegar ao mercado», explica a médica.



Estratégias dos hospitais para poupar



As dificuldades no acesso a medicamentos caros, como os biológicos, que apenas são distribuídos nas farmácias hospitalares, também são também sentidas pelos doentes com psoríase e artrite psoriática. «Temos um doente que desde Julho tenta aviar a receita na farmácia do Hospital de Ponte de Lima e estamos a meio de Setembro e ainda não conseguiu o medicamento», denuncia Vítor Baião, da Associação Portuguesa da Psoríase. Cada embalagem deste medicamento de última geração custa mil euros e é fornecida gratuitamente a estes doentes.



O hospital reconhece que há atrasos e que a entrega demora no mínimo três semanas.



As restrições repetem-se em várias unidades e sempre com doentes que querem iniciar tratamento. «Estes medicamentos têm de ser tomados sem interrupções, por isso o que os hospitais fazem é atrasar o início do tratamento», acusa.



O mesmo panorama é denunciado pelos doentes com artrite reumatóide ou espondilite, que também precisam de remédios biológicos. «No Hospital de Faro, quando os doentes vão buscar o medicamento, em vez da embalagem com quatro seringas, que dá para um mês de tratamento, recebem apenas uma seringa. Assim são obrigados a regressar ao hospital todas as semanas», conta Arsisete Saraiva, lembrando: «Também o Hospital de Leiria se recusou a entregar a uma doente medicação para dois meses, invocando que os remédios eram muito caros».



O Hospital de Leiria nega que haja qualquer restrição no acesso aos biológicos. Fonte oficial diz ter recebido apenas uma queixa de uma doente «que não tem fundamento» e garante que a regra do hospital é a de fornecer tratamento só para um mês. Já o Hospital de Faro não respondeu ao SOL.



Para o presidente da Associação de Administradores Hospitalares, os hospitais têm de cumprir a lei. «Não são aceitáveis recusas. São medicamentos muito caros, mas o hospital é obrigado por lei a fornece-los». Pedro Lopes admite que haja unidades que criem dificuldades burocráticas no acesso a certos produtos, mas garante que são situações pontuais e que a generalidade fornece os remédios sem problemas.



O bastonário dos Médicos, José Manuel Silva, admite que estas situações são preocupantes: «Se as dívidas dos hospitais às farmacêuticas continuarem é inevitável que surjam dificuldades no acesso aos medicamentos».

Do jornal Sol

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